Caros leitores,
É com enorme satisfação que a Agência Internacional de Energia (AIE) escreve este editorial num momento de grande significado para a nossa cooperação com Moçambique. Outubro foi um mês marcante para o país e para a AIE, com a publicação de dois relatórios que assinalam uma etapa importante nesta parceria: a Análise da Política Energética de Moçambique, elaborada em colaboração com o Ministério dos Recursos Minerais e Energia (MIREME), e a Avaliação Nacional da Resiliência Climática de Moçambique.
Estes relatórios refletem o compromisso conjunto em fortalecer um desenvolvimento energético sustentável, resiliente e alinhado com as prioridades nacionais, reforçando o papel de Moçambique como um actor estratégico na transição energética global.
Moçambique tem um dos mais baixos níveis de consumo per capita de energias modernas a nível mundial, e apesar do progresso ao longo das últimas décadas, em 2022 mais de metade da população ainda não tinha acesso à electricidade e apenas 7% tinha acesso a soluções de cozinha limpa. Contudo, o país tem abundantes recursos energéticos – energia hidroecléctrica, energia solar, eólica, gás natural e minerais – que podem ser alavancados para impulsionar o crescimento económico e a melhoria na qualidade de vida e meios de subsistência da população.
Tal está alinhado com a Estratégia de Transição Energética (ETE), aprovada em 2023, na qual Moçambique definiu uma visão de longo prazo para alcançar o acesso universal, acessível e fiável à energia moderna até 2030. O objectivo é aproveitar os abundantes recursos energéticos de Moçambique para construir um sistema energético moderno e inclusivo, acelerar a industrialização e subir na cadeia de valor de minerais críticos.
A Análise da Política Energética de Moçambique da AIE , que examina o panorama das políticas energéticas e identifica oportunidades para um maior alinhamento com a ETE, conclui que o reforço das instituições e dos quadros regulatórios, uma maior coordenação, bem como o aperfeiçoamento dos sistemas de gestão de dados e de planeamento serão essenciais para que Moçambique possa atingir todo o seu potencial.
Ao longo da última década, Moçambique quase duplicou a sua taxa de electrificação graças à expansão da rede e a soluções fora da rede. O relatório mostra que as mini-redes e os sistemas solares domésticos autónomos serão fundamentais para permitir o acesso à electricidade a baixo custo nas zonas rurais, mas são necessários mais esforços para estimular o desenvolvimento do mercado nestes sectores, que continuam dependentes do financiamento público.
Os progressos no acesso à cozinha limpa têm sido mais lentos, com um crescimento de apenas 5 pontos percentuais em 22 anos (2000-2022). A disparidade entre as áreas urbanas e rurais é particularmente acentuada: enquanto 16% da população urbana tem acesso a soluções de cozinha limpa, esta percentagem desce para menos de 1% nas zonas rurais. A expansão da utilização de gás de petróleo liquefeito (GPL), fogões melhorados a biomassa e fogões eléctricos será essencial para acelerar o acesso a cozinha limpa, bem como intervenções para apoiar a acessibilidade económica, que continua a ser um dos maiores obstáculos para os consumidores.
O papel das energias renováveis no sistema energético moçambicano é já muito significativo: 83% da electricidade produzida no país provém da energia hidroeléctrica, embora outros recursos renováveis permaneçam em grande parte inexplorados. Com um nível de radiação solar de 2 100 kWh/m²/ano e um potencial de energia eólica estimado em, pelo menos, 4,5 GW, existe margem para aumentar significativamente o papel das energias renováveis variáveis na matriz eléctrica. Neste contexto, o sector privado desempenha um papel preponderante na mobilização de investimentos, na introdução de inovação tecnológica e na expansão de soluções energéticas sustentáveis que complementem os esforços do governo.
A reformulação da rede eléctrica nacional será essencial para alavancar todo o potencial de abastecimento doméstico. Actualmente, Moçambique ainda não dispõe de uma rede única e unificada a nível nacional, mas está a ser desenvolvido um projecto de transmissão designado por «Espinha Dorsal», que visa ligar os sistemas centro-norte e sul. Trata-se de uma iniciativa complexa, realizada em várias fases, cuja conclusão será fundamental para a definição dos futuros regimes de importação e exportação do país.
No entanto, a implementação da ETE enfrenta desafios. O ambiente de investimento em Moçambique é prejudicado pelo elevado custo do capital, o que restringe o acesso ao financiamento. Medidas que visem melhorar a previsibilidade, reduzir os riscos e viabilizar modelos de negócio, incluindo através de apoios fiscais, serão fundamentais. As instituições financeiras internacionais continuam a desempenhar um papel importante na redução do risco e disponibilização de capital em condições preferenciais.
Embora Moçambique contribua com apenas 0,2% das emissões globais de gases com efeito de estufa, o país é vulnerável a condições meteorológicas extremas e aos efeitos das alterações climáticas, enfrentando uma exposição substancial a ciclones, inundações e secas. A Avaliação Nacional da Resiliência Climática de Moçambique, realizada com o apoio da AIE, destaca que será essencial integrar a resiliência climática no planeamento energético, salientando a diversificação da matriz eléctrica e adaptação das infraestruturas como aspectos críticos.
A Análise da Política Energética de Moçambique da AIE foi oficialmente lançada, juntamente com a Avaliação Nacional da Resiliência Climática de Moçambique, durante a Semana de Energia e Clima da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) em Maputo. A AIE trabalhou em estreita colaboração com o MIREME na preparação da Análise da Política Energética, que beneficiou de amplas consultas com as principais partes interessadas do sector energético, incluindo membros da AMER, aos quais muito agradecemos o contributo. A AIE e Moçambique continuarão a colaborar em matéria de dados energéticos, formação e reforço de capacidades, entre outras áreas.
A Análise da Política Energética de Moçambique fornece uma base de apoio para a implementação da ETE e a mobilização de investimento para o sector energético moçambicano, que será essencial para atingir os objectivos de desenvolvimento do país.
Autora: Rita Madeira, Gestora para África da Agência Internacional de Energia (AIE)