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Editorial de Outubro de 2025 - Agência de Internacional de Energia (AIE)

6 de novembro de 2025 por
AMER

Caros leitores,

É com enorme satisfação que a Agência Internacional de Energia (AIE) escreve este editorial num momento de grande significado para a nossa cooperação com Moçambique. Outubro foi um mês marcante para o país e para a AIE, com a publicação de dois relatórios que assinalam uma etapa importante nesta parceria: a Análise da Política Energética de Moçambique, elaborada em colaboração com o Ministério dos Recursos Minerais e Energia (MIREME), e a Avaliação Nacional da Resiliência Climática de Moçambique.

Estes relatórios refletem o compromisso conjunto em fortalecer um desenvolvimento energético sustentável, resiliente e alinhado com as prioridades nacionais, reforçando o papel de Moçambique como um actor estratégico na transição energética global.

Moçambique tem um dos mais baixos níveis de consumo per capita de energias modernas a nível mundial, e apesar do progresso ao longo das últimas décadas, em 2022 mais de metade da população ainda não tinha acesso à electricidade e apenas 7% tinha acesso a soluções de cozinha limpa. Contudo, o país tem abundantes recursos energéticos – energia hidroecléctrica, energia solar, eólica, gás natural e minerais – que podem ser alavancados para impulsionar o crescimento económico e a melhoria na qualidade de vida e meios de subsistência da população.

Tal está alinhado com a Estratégia de Transição Energética (ETE), aprovada em 2023, na qual Moçambique definiu uma visão de longo prazo para alcançar o acesso universal, acessível e fiável à energia moderna até 2030. O objectivo é aproveitar os abundantes recursos energéticos de Moçambique para construir um sistema energético moderno e inclusivo, acelerar a industrialização e subir na cadeia de valor de minerais críticos.

A Análise da Política Energética de Moçambique da AIE , que examina o panorama das políticas energéticas e identifica oportunidades para um maior alinhamento com a ETE, conclui que o reforço das instituições e dos quadros regulatórios, uma maior coordenação, bem como o aperfeiçoamento dos sistemas de gestão de dados e de planeamento serão essenciais para que Moçambique possa atingir todo o seu potencial.

Ao longo da última década, Moçambique quase duplicou a sua taxa de electrificação graças à expansão da rede e a soluções fora da rede. O relatório mostra que as mini-redes e os sistemas solares domésticos autónomos serão fundamentais para permitir o acesso à electricidade a baixo custo nas zonas rurais, mas são necessários mais esforços para estimular o desenvolvimento do mercado nestes sectores, que continuam dependentes do financiamento público.

Os progressos no acesso à cozinha limpa têm sido mais lentos, com um crescimento de apenas 5 pontos percentuais em 22 anos (2000-2022). A disparidade entre as áreas urbanas e rurais é particularmente acentuada: enquanto 16% da população urbana tem acesso a soluções de cozinha limpa, esta percentagem desce para menos de 1% nas zonas rurais. A expansão da utilização de gás de petróleo liquefeito (GPL), fogões melhorados a biomassa e fogões eléctricos será essencial para acelerar o acesso a cozinha limpa, bem como intervenções para apoiar a acessibilidade económica, que continua a ser um dos maiores obstáculos para os consumidores.

O papel das energias renováveis no sistema energético moçambicano é já muito significativo: 83% da electricidade produzida no país provém da energia hidroeléctrica, embora outros recursos renováveis permaneçam em grande parte inexplorados. Com um nível de radiação solar de 2 100 kWh/m²/ano e um potencial de energia eólica estimado em, pelo menos, 4,5 GW, existe margem para aumentar significativamente o papel das energias renováveis variáveis na matriz eléctrica. Neste contexto, o sector privado desempenha um papel preponderante na mobilização de investimentos, na introdução de inovação tecnológica e na expansão de soluções energéticas sustentáveis que complementem os esforços do governo.

A reformulação da rede eléctrica nacional será essencial para alavancar todo o potencial de abastecimento doméstico. Actualmente, Moçambique ainda não dispõe de uma rede única e unificada a nível nacional, mas está a ser desenvolvido um projecto de transmissão designado por «Espinha Dorsal», que visa ligar os sistemas centro-norte e sul. Trata-se de uma iniciativa complexa, realizada em várias fases, cuja conclusão será fundamental para a definição dos futuros regimes de importação e exportação do país.

Sendo Moçambique detentor de alguns dos maiores recursos de gás natural de África, este combustível desempenhará também um papel importante, tanto no mercado nacional como nos mercados internacionais, em substituição de combustíveis mais poluentes, como o gasóleo. A criação do Fundo Soberano foi um passo importante para a gestão transparente das receitas financeiras geradas pelas operações de gás do país.

No entanto, a implementação da ETE enfrenta desafios. O ambiente de investimento em Moçambique é prejudicado pelo elevado custo do capital, o que restringe o acesso ao financiamento. Medidas que visem melhorar a previsibilidade, reduzir os riscos e viabilizar modelos de negócio, incluindo através de apoios fiscais, serão fundamentais. As instituições financeiras internacionais continuam a desempenhar um papel importante na redução do risco e disponibilização de capital em condições preferenciais.

Embora Moçambique contribua com apenas 0,2% das emissões globais de gases com efeito de estufa, o país é vulnerável a condições meteorológicas extremas e aos efeitos das alterações climáticas, enfrentando uma exposição substancial a ciclones, inundações e secas. A Avaliação Nacional da Resiliência Climática de Moçambique, realizada com o apoio da AIE, destaca que será essencial integrar a resiliência climática no planeamento energético, salientando a diversificação da matriz eléctrica e adaptação das infraestruturas como aspectos críticos.

A Análise da Política Energética de Moçambique da AIE foi oficialmente lançada, juntamente com a Avaliação Nacional da Resiliência Climática de Moçambique, durante a Semana de Energia e Clima da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) em Maputo. A AIE trabalhou em estreita colaboração com o MIREME na preparação da Análise da Política Energética, que beneficiou de amplas consultas com as principais partes interessadas do sector energético, incluindo membros da AMER, aos quais muito agradecemos o contributo. A AIE e Moçambique continuarão a colaborar em matéria de dados energéticos, formação e reforço de capacidades, entre outras áreas. 

A Análise da Política Energética de Moçambique fornece uma base de apoio para a implementação da ETE e a mobilização de investimento para o sector energético moçambicano, que será essencial para atingir os objectivos de desenvolvimento do país.

 

Autora: Rita Madeira, Gestora para África da Agência Internacional de Energia (AIE)

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